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O zika vai atrapalhar as Olimpíadas?

No final de janeiro, uma atleta chamava a atenção entre as quase 50, de oito países, que participaram do evento teste de luta olímpica naArena Olímpica 1, um dos oito estádios construídos na Barra da Tijuca para sediar as principais competições da Rio 2016. Os olhares se voltavam para a americana Adeline Gray, de 25 anos, não só por seu porte e importância no mundo esportivo – com 1,78 metro de altura, ela é tricampeã mundial na categoria até 75 quilos. A atleta se destacava também pelas roupas. No auge do verão carioca, quando as temperaturas rondam os 40 graus célsius, Adeline circulava pela árida região onde o Parque Olímpico está em construção vestida com calça comprida, tênis com meias e casaco de mangas longas, abotoado até o alto do pescoço. À mão, mantinha um frasco de repelente. “Se estivesse pensando em engravidar, estaria muito preocupada. Isso poderia mudar minha decisão (de vir ao Rio de Janeiro nas Olimpíadas)”, disse a atleta ao New York Post, externando uma preocupação que abalou o mundo esportivo nos últimos dias. A epidemia de zika avança, e cresce a lista de estragos que o vírus é suspeito de causar, cheia de nomes assustadores –microcefaliasíndrome de Guillain-Barré, artrogripose e até morte. Diante desse quadro, será necessário cancelar os Jogos Olímpicos do Rio?
Adeline Gray,atleta americana de luta olímpica (Foto: Harry How/Getty Images)


Não, respondem especialistas em saúde pública, epidemiologistas e autoridades governamentais ouvidas por ÉPOCA. A resposta tem amparo científico, e não só relação com aspectos econômicos e políticos do evento. O cancelamento de uma Olimpíada por causa de uma epidemia seria um tiro de canhão na já combalida imagem do Brasil no exterior – uma solução de radicalidade desproporcional ao real tamanho do problema.
Desde o início dos Jogos Olímpicos da era moderna, em 1896, emAtenas, a competição só
foi suspensa em três ocasiões: em 1916, por causa da Primeira Guerra Mundial, em 1940 e 1944, por causa da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, já houve o cancelamento de um grande evento esportivo por causa de uma epidemia: em 1974, São Paulo desistiu de sediar os Jogos Pan-Americanos, que seriam realizados no ano seguinte, devido ao surto de meningite que atingia o país e foi substituído pela Cidade do México. Mas Guerras Mundiais e meningite nos anos 1970 eram problemas incomparavelmente piores que o zika.
O cancelamento também traria prejuízo financeiro à sociedade inteira. As instalações olímpicas custaram, até agora, R$ 7,1 bilhões. Hotéis foram construí¬dos para receber de 300 mil a 500 mil turistas, que podem incrementar o setor com US$ 1,1 bilhão. Mais que isso – se gostarem da experiência, incentivarão a vinda de novos visitantes ao Rio e ao Brasil. Barcelona, na Espanha, renasceu após os Jogos de 1992.

Há vozes discordantes que defendem o cancelamento da Rio 2016, como o americano Lee Igel, especialista em tomada de decisão em esportes profissionais e professor na Universidade Nova York. Ele escreveu um artigo na revista americana Forbes defendendo o cancelamento dos Jogos. Ele acha que um país que já lida com crises econômica e política e as demandas normais de uma Olimpíada deveria desistir de sediar o evento, ao enfrentar o problema adicional que é uma epidemia. “A epidemia de zika é um problema de saúde sério em uma cidade que já tem de lidar com outros problemas sérios de saúde e de atendimento médico”, afirmou Igel em entrevista a ÉPOCA. Mas ele é exceção – e não é um especialista em saúde pública.
Os casos de dengue, transmitida pelo mesmo mosquito do zika, oAedes aegypti, diminuem muito no período entre julho e setembro  – e as Olimpíadas ocorrerão entre 5 e 21 de agosto (leia o gráfico). “Em agosto, com menos chuva e menos calor, há menos mosquitos”, dizMargareth Capurro, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). “No inverno, o mosquito perde sua capacidade de reprodução”, diz o epidemiologista Fernando Câmara, da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). “Se a população de mosquitos no verão foi muito grande, é provável que tenha colocado muitos ovos. Mas eles eclodirão só no verão seguinte, com as chuvas.” A não ser que haja uma reviravolta no ciclo da doença, a epidemia vai recuar até o período dos Jogos. “Não há nenhum indicador que leve a achar que teremos aumento de casos nesse período”, diz o secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro,Daniel Soranz.
Vista da estação de BRT do Parque Olímpico,na Barra.As Forças Armadas alertam que há muito mosquito na área (Foto: Felipe Varanda/ÉPOCA)
Mesmo com riscos reduzidos de que o vírus zika contamine milhares de atletas e turistas em agosto, o mosquito Aedes aegypti ainda pode atrapalhar os Jogos Olímpicos e prejudicar a imagem do país. Isso pode ocorrer de três formas diferentes. ÉPOCA ouviu especialistas e autoridades e visitou as áreas dos Jogos, para explicar cada uma das três.
É possível que atletas e delegações desistam de participar e reduzam o brilho dos Jogos?
Sim. Alguns atletas, principalmente as mulheres, mostram preocupação com a Rio 2016. Não houve nenhuma desistência formal até agora. Ainda faltam seis meses para os Jogos. Até lá, os atletas ainda vão levar novos sustos, porque as estatísticas mostram que o pico da epidemia acontece entre fevereiro e abril, antes de começar a cair a partir de maio. A imprensa nos países de clima temperado, menos habituada a lidar com epidemias tropicais, frequentemente noticia o momento de pico de casos, nos meses chuvosos, sem o contexto necessário.
Hope solo,goleira da seleção Olímpica de futebol dos Estados Unidos (Foto: Buda Mendes/Getty Images)
O receio de atletas, técnicos e membros de delegações é palpável. No mesmo evento teste em que Adeline Gray desafiou o verão carioca com seu agasalho, o técnico da equipe japonesa de luta livre, Shigeo Kinase, pediu a suas atletas que evitassem sair do hotel. Bicampeã olímpica de futebol, a goleira americana Hope Solo ameaçou desistir dos Jogos. “Se fosse hoje, eu não iria”, disse ela à revista Sports Illustrated, enfatizando que não pretende correr riscos de, caso engravide, ter um filho com microcefalia, anomalia relacionada ao vírus zika. “Competir nas Olimpíadas deveria ser algo seguro para todos os atletas, sendo homem ou mulher.”
Entre os dirigentes, o mais enfático foi o presidente do Comitê Olímpico do Quênia, o ex-corredor Kipchoge Keino, que ameaçou um boicote de seu país caso a situação se agrave. Seria uma enorme perda. No último Mundial de Atletismo, em agosto de 2015, em Pequim, o Quênia ficou em primeiro lugar, com sete medalhas de ouro, seis de prata e três de bronze. No domingo de Carnaval, a agência de notícias Reuters afirmou que o Comitê Olímpico dos Estados Unidos (Usoc) teria liberado seus atletas dos Jogos, informação que a instituição desmente. Mas o Usoc avisou as federações afiliadas que está atento à epidemia de zika e às ações das autoridades brasileiras. Em entrevista ao jornal The Times, o técnicoToni Minichiello sugeriu que a equipe britânica desista de fazer a aclimatação em Belo Horizonte. O Comitê Olímpico Britânico (BOA) alugou as instalações do Minas Tênis Clube e disse que manterá o plano. Minichiello treina a britânica Jessica Ennis-Hill, medalha de ouro no heptatlo nas Olimpíadas de Londres. O governo brasileiro tenta minimizar esse receio difuso. “Não há motivos para os atletas não virem. Para muitos, estas serão as Olimpíadas de suas vidas, onde encerrarão suas carreiras. Portanto, está fora de cogitação, não há discussão sobre a ausência desses atletas no Rio de Janeiro”, disse a ÉPOCA o ministro dos Esportes, George Hilton.
Mesmo sem o risco aparente de uma epidemia desenfreada durante os Jogos, a questão preocupa – e muito – o governo federal. NoPalácio do Planalto, em reuniões diárias comandadas pelo ministroJaques Wagner, da Casa Civil, discutem-se não só ações de combate ao mosquito, mas também formas de convencer a população e a comunidade internacional de que tudo está sob controle. O Planalto mobilizou 29 de seus 31 ministros para participar de ações que envolvem todos os Estados da Federação. A ideia é levar nomes da Esplanada – até mesmo aqueles da economia, como o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda,Nelson Barbosa – para mostrar que o governo está empenhado na guerra com o mosquito.
O receio de alguns atletas olímpicos acendeu um alerta no Planalto sobre a possibilidade de o evento ser esvaziado, já que esse é um dos poucos fatores positivos esperados para 2016 – a instabilidade política e os pífios indicadores econômicos dão sinais de que não será um ano fácil. Com pouco dinheiro e pouco tempo para agir, o governo aposta em comunicação e em ações com apoio das Forças Armadaspara mostrar que não há negligência em relação ao surto de zika e outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. “O mundo vive sob riscos, ou de saúde, de natureza política ou de terror. O risco tem de ser combatido com medidas eficazes, mas a humanidade não pode deixar de realizar eventos internacionais por causa de riscos e ameaças, que devem ser combatidos”, disse em entrevista coletiva o ministro Aldo Rebelo, que está à frente da Defesa, mas já foi ministro do Esporte.

Nas ações ostensivas, o governo estima mobilizar 220 mil militaresdas Forças Armadas em um mutirão envolvendo 356 cidades brasileiras. Apesar do esforço para a prevenção, o governo enfrenta dificuldades para diagnosticar as doenças transmitidas pelo Aedes. No caso da dengue, por exemplo, o ministro da SaúdeMarcelo Castro, admitiu o atraso na entrega de kits usados para detectar o vírus. O ministro, famoso pelas declarações polêmicas, classificou como “pequeno atraso” a demora de cerca de cinco meses.
Outra decisão tomada nas reuniões do Planalto foi enviar cartas a todas as federações que participarão dos Jogos Olímpicos para tentar tranquilizá-las. “Faremos um diálogo permanente com o COI (Comitê Olímpico Internacional), mostrando que há uma série de declarações imprecisas. No período (dos Jogos) a incidência de dengue ou outras doenças é baixíssima, o que demonstra claramente que há necessidade de esclarecimento”, disse o ministro George Hilton. “Às vezes, em uma entrevista, o atleta fala algo e depois há uma percepção de que há um alarmismo. Isso é muito ruim”, afirmou.
Entre os dias 19 e 24 de fevereiro será possível dimensionar como está o medo entre os atletas. Nesse período acontecerá o evento teste de saltos ornamentais no Centro Aquático Maria Lenk, no Parque Olímpico. São esperados 272 atletas de 49 países, disputando 92 vagas nos Jogos. O Comitê Olímpico da Austrália, um dos mais zelosos em relação ao zika, usará seus 11 atletas no torneio como cobaias. Cada um trará um kit antimosquito com recomendações de usar roupas que cubram o corpo (à medida que a modalidade permita) e de evitar ficar perto de água parada (exceto nas piscinas, claro). A Austrália fechou contrato para os Jogos com um patrocinador adequado à situação: um fabricante de repelentes. Perto do Centro Aquático há um córrego poluído, tomado por matagal e cheio de lixo, que desce de uma favela mais acima. À noite, moradores da região enfrentam enxames de mosquitos. Talvez não sejam Aedes e talvez não cheguem até os atletas no evento teste. Mas contar com o otimismo, em meio a uma epidemia, é péssima ideia.
Há risco de atletas ficarem doentes e apresentarem desempenho ruim?
Sim. Na sexta-feira, dia 12, as Forças Armadas informaram que aBarra da Tijuca, onde os atletas dormirão e onde se concentrará a maior parte das disputas, é uma das áreas com maior infestação do mosquito. Os dados mudam a avaliação da Secretaria Municipal de Saúde feita em outubro, que apontava a Barra como uma área relativamente segura. A Secretaria, por sua vez, informava já haver alto índice de infestação de mosquito e infecção de cidadãos nos arredores de outras duas instalações olímpicas, a do Engenhão e a do Complexo Esportivo de Deodoro (leia os mapas na página 32).
Durante a semana passada, ÉPOCA percorreu canteiros de obras de instalações olímpicas na Barra e em Deodoro. Constatou que há, nos arredores de ambos, áreas tomadas por lixo, mato e cursos de água. A 500 metros das obras de Deodoro, uma pilha de lixo largado por moradores incluía garrafas, latinhas, pneus velhos, baldes e até um vaso sanitário. A chuva fina que caía na manhã de quinta-feira começava a se acumular nos recipientes, criando condições perfeitas para a reprodução do Aedes. A cena precisa acender um sinal de alerta vermelho para as autoridades, embora as estatísticas mostrem não haver razão para alarmismo.
Mireia Belmonte,atleta da equipe de natação da Espanha (Foto: Alexander Hassenstein/Getty Images)
Para um indivíduo, é baixo o risco de ser picado pelo Aedes em agosto, contrair dengue ou zika e manifestar sintomas como febre, fraqueza e dor no corpo. O que aconteceu na Copa do Mundo de 2014ajuda a traçar um paralelo. Até onde se sabe, nenhum dos mais de 700 atletas teve dengue.
                          >> Por que estamos perdendo a guerra contra o Aedes aegypti?
Uma pesquisa liderada pela meteorologista Rachel Lowe, doInstituto Catalão de Ciências do Clima, apontou risco “médio” de um visitante ficar doente durante a Copa do Mundo. Isso significava 87% de chances de, durante a Copa, haver menos de um caso de dengue a cada 333 pessoas no Rio. “Estamos finalizando a avaliação, mas já sabemos que o Rio de Janeiro teve menos casos de dengue do que prevíamos”, diz o meteorologista Caio Augusto dos Santos Coelho, doInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais e um dos autores do estudo. Em junho de 2014, durante a Copa, houve 177 notificações de dengue no município do Rio de Janeiro. Isso dá menos de um caso para cada 33 mil pessoas na cidade.
Outra análise isenta concluiu que o risco de contrair dengue, para cada visitante, é menor ainda. A bióloga Maíra Aguiar, da Universidade de Lisboa, em Portugal, junto com outros cientistas, avaliou o histórico de casos de dengue nas 12 cidades que abrigaram a Copa, levando em consideração temperatura, chuvas e densidade demográfica (quanto maior a densidade, maiores as chances de o mosquito espalhar o vírus entre mais pessoas). A estimativa se estende também aos Jogos Olímpicos. “O risco de transmissão de dengue durante as Olimpíadas é muito baixo, assim como a transmissão de zika por mosquito”, afirma Maíra. A análise de risco sugere que, em agosto, o risco de infecção na cidade do Rio de Janeiro é de um caso por 250 mil pessoas. Os números tranquilizadores, porém, não bastarão para evitar um possível desastre de imagem.
Uma Olimpíada deve servir de vitrine para a cidade e o país que a recebem. Espera-se que os astros e estrelas do esporte apresentem seu melhor desempenho, batam recordes e levem o público ao delírio. Basta que a febre e as dores no corpo atrapalhem um deles – como o corredor americano Usain Bolt ou a tenista americana Serena Williams, favoritos à medalha de ouro. Isso embaçaria o brilho dos Jogos do Rio.
Há risco de um desastre econômico se os turistas desistirem de vir por medo do zika?
Em termos. Não se esperam ganhos imediatos para o turismo no período das Olimpíadas. O economista americano Andrew Zimbalistvem estudando o impacto dos Jogos. Ele afirma que o número de visitantes estrangeiros caiu durante os Jogos de Londres (2012),Pequim (2008) e Atenas (2004). Isso ocorre porque os Jogos atraem um tipo de turista (que gosta de esportes e megaeventos), mas afastam outro (que foge dos preços inflados, das multidões e das ameaças associadas, como terrorismo).

O grande ganho para uma cidade sede, quando tudo dá certo, ocorre após os Jogos. A competição apresenta a cidade a novos turistas, que podem gostar da boa experiência – se não forem vítimas de doenças, violência, fraudes e serviços ruins. Se contarem a boa experiência a amigos, a cidade ganha. A maneira mais eficaz de promover o turismo é o boca a boca, de acordo com a Associação Europeia de Operadores de Turismo. O exemplo clássico dos bons efeitos de uma Olimpíada é o caso de Barcelona, em 1992. O número de leitos na cidade cresceu 35% entre 1990 e 1992, a taxa de ocupação subiu e se manteve no novo patamar mesmo após os Jogos Olímpicos. Até agora, segundo a Associação Brasileira de Hotéis do Rio de Janeiro, o cancelamento de reservas para as Olimpíadas é desprezível. Mas a fase mais intensa de notícias ruins ainda está por vir, durante o pico da epidemia, até abril.

O mosquito não derrubará um evento que o Rio e o Brasil organizam desde 2007. Mas há muito a fazer. Autoridades e cidadãos precisam se dedicar para que a Rio 2016 entre para a história das Olimpíadas como um grande sucesso e um bom exemplo da hospitalidade e capacidade de organização do país.