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A quem interessa inviabilizar a geração distribuída?


or Barbara Rubim, Ronaldo Koloszuk e Rodrigo Sauaia, do Poder 360.

O debate sobre a geração distribuída solar fotovoltaica, que permite ao cidadão gerar e consumir a própria eletricidade a partir de fontes renováveis, com mais liberdade de escolha e sustentabilidade, chegou às manchetes dos meios de comunicação do País. Também está movimentando as redes sociais de consumidores, formadores de opinião, jornalistas e parlamentares.

Em tempos de intensa polarização e acirrada divergência ideológica, o tema da energia solar tem alcançado algo raro no país: a convergência entre diferentes áreas da sociedade, com linhas de pensamento e visões de mundo bastante variadas, em prol de uma causa comum. Frente à ameaça de uma mudança desequilibrada nas regras da geração distribuída, os brasileiros têm se posicionado, de forma clara e contundente, em defesa do direito de gerar e consumir a própria energia limpa a partir do sol.

Diante de tantas manifestações, fica uma pergunta crucial: a quem interessa inviabilizar a geração distribuída solar fotovoltaica? Certamente, não aos consumidores brasileiros, já que 93% querem gerar energia renovável em casa, conforme pesquisa Ibope Inteligência 2019.

Enquanto os empreendedores enfrentam fortes obstáculos do segmento de distribuição para desenvolver os seus negócios, as distribuidoras estão estruturando empresas paralelas para atuar em geração distribuída solar fotovoltaica ou ainda adquirindo empresas já atuantes no mercado. Assim, como seria possível que a geração distribuída fosse tão prejudicial às distribuidoras e elas estivessem, ao mesmo tempo, montando os seus próprios negócios no segmento? Quando discursos e fatos não convergem, é sabido que as ações falam muito mais alto do que as palavras.

A proposta da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) pode desvalorizar em até 60% a eletricidade gerada e injetada na rede pelo cidadão, com impactos imensos para o segmento. Inviabilizaria negócios e até mesmo modalidades inteiras da geração distribuída, originalmente concebidas para democratizar o acesso às fontes renováveis, como a geração compartilhada, as cooperativas de energia, a geração comunitária e os condomínios solares. Em especial, consumidores de baixa renda, residenciais, rurais, públicos e empresas de saneamento poderiam ser fortemente afastados da geração distribuída, uma vez que o impacto das mudanças sobre eles seria desproporcionalmente maior.

Mudanças nas regras para a geração distribuída são extremamente prematuras, diante do cenário brasileiro atual. Vamos aos números: dos mais de 84,4 milhões de consumidores cativos brasileiros atendidos pelas distribuidoras de energia elétrica, apenas cerca de 170 mil (0,2%) possuem a tecnologia.

O caso da Espanha é bastante representativo e serve de alerta às autoridades brasileiras. Em 2010, o governo espanhol alterou as regras para energia solar fotovoltaica, com impactos profundos aos consumidores com geração distribuída e demais agentes do setor. A medida, fora dos padrões internacionais, inviabilizou a energia solar no país durante mais de 8 anos e provocou uma onda de judicialização, com mais de 1.500 processos de consumidores, investidores e empreendedores contra o governo espanhol.

Depois de longos anos de paralisação e retrocesso, novas autoridades espanholas corrigiram os erros do passado. Em 2018, voltaram a viabilizar a energia solar fotovoltaica, adotando 1 sistema de compensação de energia elétrica similar ao utilizado atualmente no Brasil. A nova regra recuperou a confiança dos consumidores, do mercado e dos investidores, abrindo caminho para a atração de milhões de euros em novos projetos e a geração de milhares de empregos de qualidade à população espanhola.

Há, também casos de sucesso que servem de bom exemplo ao Brasil: A Califórnia (EUA), referência mundial nas regulamentações para o segmento, deu início ao processo de atualização de suas regras apenas quando atingiu a marca de 5% de participação da geração distribuída solar fotovoltaica no atendimento de demanda elétrica de suas distribuidoras. Ao atingir este patamar, o regulador estabeleceu que, quando injetar energia na rede, os consumidores com geração distribuída devem pagar US$ 0,02/kWh (R$ 0,08/kWh).

Tal pagamento equivale a apenas 10,5% da tarifa de energia elétrica dos consumidores residenciais e comerciais da Califórnia, valor muito inferior aos propostos pela Aneel para o Brasil, que variam entre 34% (Alternativa 2) e 60% (Alternativa 5). O estado californiano também garantiu ao setor estabilidade e previsibilidade nas mudanças, reduzindo riscos e evitando insegurança jurídica e regulatória aos consumidores, empreendedores e investidores do mercado. Um resultado justo, que foi aplaudido pelo mercado.

Surpreende o fato de que a Aneel deixou de fora da sua proposta final a remuneração dos atributos da geração distribuída solar fotovoltaica, como a postergação de investimentos em transmissão e distribuição de eletricidade, alívio das redes pelo efeito vizinhança, geração de emprego e renda, diversificação da matriz elétrica e redução de emissões de gases de efeito estufa, entre diversos outros benefícios que superam, em muito, quaisquer eventuais custos.

O setor solar fotovoltaico já fez e apresentou as suas contas: caso as regras atuais da geração distribuída sejam mantidas, todos os consumidores serão beneficiados com uma economia de mais de R$ 13,3 bilhões de reais apenas no setor elétrico. Os ganhos incluem atributos como redução de gastos com a compra de energia elétrica, postergação de investimentos em novas usinas de geração, linhas de transmissão e infraestrutura de distribuição, redução de perdas, alívio na operação do sistema, diminuição do acionamento de termelétricas mais caras e poluentes, entre outros.

Adicionalmente, serão gerados mais de 672 mil novos empregos no País até 2035, uma relevante contribuição social e ao reaquecimento da economia nacional, com mais oportunidades e renda aos trabalhadores. Projeta-se um aumento de mais de R$ 25 bilhões na arrecadação dos governos federal, estaduais e municipais até 2027, recursos que poderão ser aplicados em melhores serviços para a sociedade.

Graças ao baixo impacto ambiental da energia solar fotovoltaica, o País também evitará a emissão de 75,38 milhões de toneladas de CO2 até 2035, reduzindo drasticamente a emissão de poluentes atmosféricos danosos ao clima, à qualidade do ar e à saúde da nossa população, aliviando custos e gastos no sistema público de saúde brasileiro.

Haverá, ainda, um alívio na pressão sobre os reservatórios hídricos do Brasil, com a redução do uso da água para geração de energia elétrica e, paralelamente, a redução do uso de terras para novas usinas, uma vez que a geração distribuída aproveita áreas já construídas, como telhados, fachadas e estacionamentos.

Estes benefícios são compartilhados por toda a sociedade, mesmo por aqueles que nunca investiram em geração distribuída solar fotovoltaica, em uma clara sinergia ganha-ganha, em prol de um futuro mais renovável, limpo, sustentável e próspero.

É fundamental trazer estes números para o debate e incorporá-los à proposta da Aneel, ajustando premissas importantes e incorporando os benefícios relevantes que a geração distribuída solar fotovoltaica agrega ao País e que ficaram de fora da análise. Sem estes ajustes, o processo poderá ser profundamente comprometido, trazendo informações imprecisas sobre a contribuição que a geração distribuída solar fotovoltaica traz à sociedade brasileira e levando a conclusões equivocadas sobre os melhores encaminhamentos a serem dados pela agência reguladora.